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Os Pelicans podem estar bem na tabela, mas a ‘experiência Davis-Cousins’ falhou

(Steve Mitchell-USA TODAY Sports )

O New Orleans Pelicans entrou nesta temporada com um objetivo muito claro: se classificar para os playoffs. O time precisava superar o péssimo histórico recente, demonstrar força e provar para Anthony Davis e Demarcus Cousins, dois jogadores capazes de carregar uma franquia, que pode valer a pena ficar por lá depois que seus contratos atuais acabarem. Em uma conferência Oeste cada vez mais reforçada, a tarefa não é simples, mas, até o momento, a equipe tem conseguido se manter no topo da classificação. Hoje, é a sexta colocada, mas com apenas uma vitória de vantagem para a nona equipe.

Mesmo assim, mesmo que esteja na zona de classificação, tem algo neste Pelicans que falhou. Algo que vai além dos resultados, que não se resume simplesmente à se classificar ou não para a pós-temporada.

Claro que o objetivo do Pelicans ao buscar Demarcus Cousins no meio do campeonato passado era reunir talento bruto, mostrar pra Anthony Davis que o time era capaz de arregimentar bons jogadores ao seu redor. Mas ao formar um elenco que concentra dois dos melhores jogadores de garrafão da liga lado a lado, foi criada a expectativa de que o time faria uma experiência que fugisse de tudo que vemos hoje. O Pelicans não seria só mais um time, mas poderia ser o símbolo da contracultura do basquete atual. Juntaria dois pivôs em uma época que parece que o sucesso está atrelado à recusa da figura do pivô. Seria uma alternativa. Uma libertação em relação ao chamado ‘small ball’

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Pois bem, 60 jogos depois (17 na temporada passada, 40 e pouco na atual), o experimento é decepcionante. Por mais que esteja rendendo algum tipo de resultado – afinal, são Cousins e Davis no mesmo time! -, o New Orleans Pelicans é um dos times mais insuportáveis de se assistir. Não há esquema, o ataque do time parece uma pelada de praça e a defesa é frágil.

Eu não sei onde começa o problema do time. Se é porque o restante do elenco de apoio é medonho, se o técnico é muito fraco ou se Demarcus Cousins é um cara que tem um talento descomunal preso em um corpo que é comandado por um cérebro limitado. Acho que um pouco de cada coisa.

A começar pelo elenco geral do Pelicans. Rajon Rondo é um gênio, mas às vezes o mundo parece não fazer mais sentido para ele. Seu raciocínio é tão diferente que parece se descolar do mundo real. No caso do basquete, é difícil que um cara se sobressaia sem arremessar. Não é simplesmente arremessar mal, mas é não arremessar. O problema não é que ele não colabora com pontos, mas os defensores já sabem que ele não vai sequer tentar o chute quando chama as jogadas. Jrue Holiday, que seria a terceira força do time, é baixo para jogar de shooting guard e oscila muito. Nem sempre entrega o mínimo que se espera dele. De resto, o time é formado por especialistas em funções muito específicas. Talvez se juntasse as habilidades de todos e pudesse criar um único jogador, o Pelicans conseguiria ter um time titular decente.

Mas isso, por si só, não justifica o fato do time ser uma zona. O Portland Trail Blazers, o Denver Nuggets, o Utah Jazz e o Los Angeles Clippers vivem realidades semelhantes e mesmo o pior deles tem uma organização tática ligeiramente mais bem construída do que o Pelicans. Mais preocupante ainda é que a falta de qualidade do restante do elenco não deveria ser tão determinante para que a tal ‘experiência da contracultura’ esperada por parte do time fosse executada, já que o talento da equipe está justamente no garrafão. Daí eu imagino que a responsabilidade passa por Alvin Gentry.

É muito difícil avaliar o trabalho e o impacto de um treinador em um time. Só quem acompanha o dia-a-dia, os bastidores, o convívio dele com os jogadores que tem propriedade para avaliá-lo sem medo de cometer alguma injustiça. Mas é certo que Gentry não conseguiu fazer o que se propôs publicamente quando chegou em New Orleans e nem o que o front office do Pelicans esperava dele.

Gentry chegou ao time depois do título de 2015 do Golden State Warriors. Era considerado um dos responsáveis pelo ataque poderoso do time, onde era assistente técnico. Tinha tido uma boa experiência como assistente e depois técnico do Phoenix Suns de Steve Nash, que chegou à final de conferência do Oeste também com um esquema ofensivo letal. Mas nunca conseguiu replicar toda essa criatividade no Pelicans.

Por mais que seja também reconhecido por ser bom nas relações com os jogadores, que tenha uma trânsito bacana no vestiário, parece que tem falhado em motivar seu time – não consegue fazer o time jogar tão bem contra os adversários mais fracos, por exemplo. Esses dias reclamou da falta de esforço do time, também. Mas nada mudou.

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Principalmente, não consegue se aproveitar da presença de Cousins e Davis como dois pivôs que fazem a diferença no garrafão. Parece que, pelo fato dos dois terem uma habilidade incomum para pessoas daquele tamanho, Gentry teima em jogar em um esquema que parece que o time só pode ter ‘um pivô por vez’. Pra fazer isso, ou tira um dos dois da quadra – revezando ambos -, ou afasta um dos dois da tabela para abrir espaço para o outro – mas abre mão do talento de um dos dois em toda posse de bola. Por mais que tenha desenvolvido um chute razoável de fora, por exemplo, acho um desperdício brutal manter Cousins parado no topo do arco de três pontos esperando por um chute desmarcado.

Mesmo com os dois no time, o Pelicans quase não joga de costas pra cesta. Davis é apenas o 13º em jogadas de post up – ainda que tenha o 4º melhor aproveitamento quando tenta esse tipo de jogada. Cousins é o 18º.

Em uma tentativa non-sense de envolver os dois no jogo, Cousins acaba sendo o cara que geralmente carrega a bola para o ataque. Em boa parte das vezes, ele acaba tentando bater para dentro, como se fosse o Lebron James. Em uma de cada cinco tentativas, ele perde a bola – é o líder disparado em turnovers na liga, fazendo com que o time seja o segundo que mais desperdiça bolas na NBA.

Daí eu também desconfio um pouco do quanto Cousins ajuda o time individualmente. Que ele sabe pontuar como um máquina é fato. Que é excelente reboteiro, que tem um boa visão de jogo e tudo mais, idem. Mas parece que ele se utiliza muito raramente destes recursos para o bem do time. Nem entro no mérito dele ser cabeça quente, se ser expulso com frequência e deixar a equipe na mão. Mas seu QI para o basquete me parece questionável. Seu esforço, também – não é raro o time chegar ao ataque, definir a jogada e Cousins ainda estar no campo de defesa, fazendo a transição sem a bola a passos de formiga.

Por mais que tenha qualidade, o modo como desempenha seu jogo não colabora como poderia para o Pelicans. E não executa a experiência que seria um basquete nos dias de hoje com dois excelentes pivôs.

A maior vítima disso tudo, além do próprio Pelicans, é Anthony Davis. Continua com um grupo de colegas medíocres, tem um técnico cujos esquema e comando são questionáveis e nem se beneficia da presença de um jogador como Demarcus Cousins ao seu lado. Se a ideia deste experimento era convencer Davis que pode continuar jogando pelo time, acho que não tem dado nada certo.

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