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Getúlio Vargas, ex-goleiro do Flamengo e atual comentarista de um canal esportivo, teve uma ideia ao saber do incêndio no Ninho do Urubu, CT do clube rubro-negro: começar uma campanha em que pede para atletas de todo o Brasil mostrarem quais são as reais condições dos alojamentos esportivos - seja do futebol, vôlei, natação ou esgrima.
Por também ter vivido na base do clube carioca, antes mesmo da existência dos contêiners, o ex-jogador resolveu agir. Divulgou um número de telefone e pediu que os interessados mandassem depoimentos e fotos sobre os dormitórios dos clubes. "Para a gente mostrar a realidade nua e crua", anunciou.
"O problema estrutural existe há muito tempo e é um lixo. O Flamengo eu conheço e sei que é uma das melhores estruturas do país, por ironia do destino aconteceu lá. Então resolvi começar a querer entender como são as instalações em todo o Brasil", conta o ex-goleiro de 36 anos.
Foi só a postagem ser publicada que os contatos começaram. "Três horas depois já estava bombando, quando olhei meu Instagram tinha mais de 400 fotos", relembra. Ao contrário do que se pode imaginar, muitos dos depoimentos são de atletas que jogam inclusive na elite de seus Estados. A maioria, no entanto, são de times do interior.
Para preservar os jovens, Getúlio não divulga seus nomes nem quais são os times. Além disso, ele não consegue fazer a apuração de cada uma das instalações que recebe foto, então prefere que as autoridades se encarreguem do trabalho.
"Time tradicional da Bahia", "Primeira divisão do Rio de Janeiro", "Time profissional no Sergipe", "Primeira divisão de Rondônia", "Segunda divisão do Campeonato Paulista" e "Segunda divisão do Rio de Janeiro" são alguns dos termos utilizados para classificar os clubes envolvidos nas denúncias.
Mesmo assim, dois presidentes de clubes reconheceram as instalações fotografadas e ligaram para Getúlio. "Eu falei: o certo é o certo, o errado é errado. Eu não coloquei o nome do clube nem o símbolo. Disse que eles têm de fazer alguma coisa, o meu coração está tranquilo", conta. Teve até dirigente que afirmou que não sabia que "estava neste estado pois nossa vida é conturbada".
Com a campanha e a tragédia no Rio, entidades ligadas ao futebol também começam a tomar providências. O Ministério Público do Estado do Ceará solicitou a fiscalização dos Centros de Treinamento dos clubes, e o MP de São Paulo também anunciou que vai investigar possíveis irregularidades nos alojamentos da base dos times.
Entre os relatos que mais tocaram o ex-atleta estão duas histórias: um menino que joga em uma equipe do interior de Minas Gerais e outro em Sergipe. O primeiro perdeu o pai há pouco tempo e continua aguentando toda a precariedade porque quer dar orgulho para sua mãe. O outro enviou registros de um quarto com quatro colchões, oito jogadores, um ventilador e inúmeros fios espalhados pelo chão.
"Quando você vê o rosto dos moleques, de tristeza, de esgotamento emocional, físico, quando o menino manda áudio implorando que eu cubra as identidades para não prejudicar o sonho deles... são coisas que me fazem chorar", conta GV, como é apelidado o comentarista que insiste em deixar claro que não quer ser líder de movimento nenhum.
"Sou só um pai apaixonado por meus filhos, ex-atleta e que sabe as dificuldades que uma criança passa longe do pai e da mãe", afirma. Ele mesmo olha para trás e percebe que já colocou sua vida em risco. Em uma viagem junto de jogadores como Felipe Melo, Andrezinho e Ibson, algum dos meninos improvisou um ar-condicionado para que pudessem dormir sem passar calor.
"O ar-condicionado era racionado. Um deles puxou o fio do ventilador de teto e ligou no ar para conseguirmos descansar de tarde. A gente não tinha noção que podia pegar fogo. Os meninos tem culpa, mas são meninos. Quando os pais fazem o contrato com o clube não se trata só de campo e bola, é também sobre garantir a saúde, educação e segurança", analisa.