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Sobre NBA e afins

Não há qualquer razão para desconfiar do talento de Luka Doncic

(REUTERS/Alkis Konstantinidis)

O título da Euroliga, conquistado ontem, em Belgrado, contra o fortíssimo Fenerbahce só não é a prova cabal do imenso talento de Luka Doncic, armador do Real Madrid, porque, mesmo ainda aos 19 anos de idade, o jogador já tem um currículo mais pesado do que boa parte dos jogadores de basquete do mundo inteiro, sejam eles da NBA ou não.

O esloveno já foi campeão do Eurobasket, o campeonato continental de seleções mais forte do mundo, com uma seleção que, antes disso, só tinha conseguido se classificar a duas olimpíadas e nunca tinha passado das semifinais em qualquer outro torneio já disputado. Foi bicampeão espanhol, a liga nacional mais forte do mundo depois da NBA, e lidera seu time a mais uma campanha no topo da tábua de classificação espanhola. E, ontem, levantou não só o troféu de campeão, como o de melhor jogador da competição e melhor jogador do Final Four europeu.

Não existe na história da NBA um jogador que tenha um currículo tão pesado com tão pouca idade. Aqueles que já tinham provado com títulos e conquistas individuais todo este talento chegaram à liga mais velhos. Aqueles que eram tão ou mais novos que Doncic, não tinham toda essa bagagem.

Uma provação incomparável a de qualquer jogador universitário que vá disputar com ele um lugar no próximo draft. Que não justifica que Sacramento Kings e Atlanta Hawks, por exemplo, já tenham descartado escolhê-lo com suas picks (segunda e terceira do draft, respectivamente). Eu até entendo que algum time prefira apostar em Deandre Ayton, um talento inegável para o garrafão, mas acho irracional abdicar de Doncic assim, de cara, para escolher um jogador que é, na melhor das hipóteses, tão incógnita quanto o esloveno.

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A postura deflagra uma posição ignorante por parte das franquias da NBA em relação ao basquete do resto do mundo. Faz sentido a liga americana supervalorizar seus jogadores universitários, que são moldados para uma dia jogarem profissionalmente na NBA, e desvalorizar os egressos de outras ligas profissionais quando as expectativas de evolução dos atletas não são comparáveis – por exemplo, jogadores europeus já formados, com vícios incorrigíveis para o basquete norte-americano – ou quando os currículos são tão tímidos que o perfil físico dos ‘prospectos’ prevalece, mas definitivamente Luka Doncic não se enquadra em nenhum destes casos.

O trauma de algumas franquias com jogadores vindos do basquete europeu não se justifica. É verdade que jovens que pareciam talentosos já falharam miseravelmente na NBA – como Darko Milicic e Andre Bargnani. E europeus comprovadamente bons em seus torneios também não vingaram nos EUA – como Nemanja Bjelica e Juan Carlos Navarro. Mas para cada escolha ruim de um jogador estrangeiro no draft, há cinco ‘busts’ americanos (é preciso listar todos os Anthony Bennett, Jahlil Okafor, Jonny Flynn, OJ Mayo, etc, ou posso parar por aqui?).

Sem contar que o armador é um fato inédito. Qualquer comparação com um europeu que já tenha ido pra NBA já começa torta. Se Doncic chegará na liga tão cedo quanto Ricky Rubio, com um hype parecido com o do espanhol, seu protagonismo pregresso é muito maior do que o que o armador hoje no Utah Jazz jamais alcançou – Rubio era mais um fenômeno adolescente e uma expectativa de sucesso, com um basquete vistoso pelos passes e visão de jogo, do que um jogador consolidado. Se dá pra traçar algum paralelo com Manu Ginobili nas suas carreiras pré-NBA, Doncic tem a seu favor o fato de poder jogar nos EUA muito mais cedo do que o argentino, com possibilidade de se fortalecer e criar hábitos em quadra ainda mais palatáveis aos americanos – apesar que, sinceramente, não é demérito nenhum ser comparado a Manu (isso sem cometer a heresia de relacioná-lo a Drazen Petrovic, uma comparação ainda sem sentido pelo que o jogador dos anos 90 fez).

E mesmo que não fosse um talento já comprovado pelo mundo inteiro, Doncic tem um perfil que parece muito alinhado à NBA atual: joga em várias posições, é alto para a armação, arremessa bem, sabe distribuir a bola e tem físico para marcar diferentes estilos de jogadores. Tudo que um olheiro busca em um jogador universitário americano.

Isso tudo não quer dizer que ele será, de fato, um craque na NBA. Como não há garantia nenhuma de que qualquer concorrente seu vindo do college será. Só não há qualquer motivo para desconfiar dele.

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