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Sobre NBA e afins

E não é que Kyrie Irving tinha razão em querer sair do Cleveland Cavaliers?

(Winslow Townson-USA TODAY Sports)

Na hora não pareceu uma decisão das mais inteligentes. Pedir para ser trocado quando se joga na equipe que vai a três finais seguidas, que está mais próxima de bater o Golden State Warriors e que tem o melhor jogador de basquete do planeta na atualidade não condiz muito com o objetivo mais comum do esporte que é ganhar. Vindo ainda de um cara que acha que a Terra não é redonda, então, era certeza de que o pedido era uma besteira vinda de alguém que tinha se deslumbrado com algo que fugia do entendimento normal das pessoas sensatas.

Mas com a temporada um mês adentro, dá pra dizer que Kyrie Irving mostrou que estava certo ao achar que tinha cacife o suficiente para liderar um time e ainda disputar a ponta da tabela por outra equipe, longe da asa de Lebron James. O Boston Celtics, sua nova casa, tem a melhor campanha da NBA. Kyrie é a referência técnica de uma franquia que, a julgar pelo que entrega hoje e que pode fazer no futuro com seus jovens talentos, deve brigar alto na liga por bons anos.

Por mais que seus números pessoais confiram a ele a liderança no time em pontos, assistências e roubadas de bola, exceto por este último, nenhum dos demais está nas maiores médias da sua carreira – tem jogado menos em Boston, pontuado menos, arremessado com a mesma precisão dos anos anteriores – mas seu impacto no jogo tem sido exemplar. A NBA tem um índice que se chama Player Impact Estimate, que tenta medir o quanto um jogador colabora com a sua equipe, levando em conta todas as estatísticas produzidas em quadra e relacionadas com o resto do time. E o índice atingido por Kyrie no Boston é o maior de sua carreira. Irving armando o Celtics é o melhor Irving que já vimos até hoje.

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Um ponto crucial para isso é o fato dele ter evoluído na defesa. Kyrie já era uma das maiores ameaças ofensivas da liga numa combinação única de habilidade, melhor ball handing da atualidade e excelente arremesso, mas a falta de esforço defensivo sempre foi um problema para classificá-lo como um jogador bom por completo. Não sei exatamente se por empolgação da mudança, por estar em um time que coletivamente marca muito bem ou se sua atitude de fato mudou, mas hoje ele parece outro jogador na hora de defender. Rouba muito mais bolas (volume mais alto da sua carreira), desvia mais bolas atravessadas (três por jogo, líder do time e 9º na NBA inteira que mais faz isso) e contesta mais chutes do que antes. Em resumo, é um jogador mais dedicado, o que faz uma boa diferença na hora da marcação – e nem vou entrar no mérito de Defensive Rating, índice que registra com muita vantagem os melhores números da sua carreira, pois é um dado que tem muito impacto coletivo e precisa de uma amostra muito maior do que 15 jogos para que possamos chegar a uma conclusão confiável.

É claro que podemos levar esta discussão para um daqueles dilemas interminável do tipo “vende mais porque é mais fresquinho ou é mais fresquinho porque vende mais?”, já que o Boston Celtics está em um momento especial coletivamente, com 13 vitórias seguidas, nadando de braçadas na conferência Leste e com a melhor defesa de toda a NBA, mas o fato é que não temos muitos parâmetros diferentes para comparar as situações. De concreto existiu o Kyrie Irving do Cleveland Cavaliers e o Kyrie Irving do Boston Celtics, sendo que o segundo é muito mais líder, solidário e impactante que o primeiro. Ajuda também o fato do Boston, com sua adição e sem Gordon Hayward, outra contratação de peso do time, estar sobrando na liga e o Cleveland Cavaliers, sem ele, estar em um dos seus piores momentos desde o retorno de Lebron ao time.

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Eu tenho certeza que o Celtcis fez de Kyrie um jogador melhor e que ele teve muita sorte de cair no lugar certo, na hora certa – dificilmente estaria falando tudo isso se ele tivesse sido trocado por Eric Bledsoe e hoje fosse o armador do Phoenix Suns, por exemplo -, mas esse é um fator intangível que impacta a carreira de absolutamente todos os jogadores de todos os esportes. Para ter sucesso pessoal, todo o meio tem que conspirar a seu favor.

O que dá algumas pistas de que Kyrie mudou, está melhor e é o gatilho para esse Boston estar onde está é comparar o que o time era sem ele. O impacto de Isaiah Thomas, seu antecessor, na equipe do ano passado. A ESPN, por exemplo, tem um índice chamado Real Plus-Minus, que tem a pretensão de mensurar quanto um time melhora ou piora, no ataque ou na defesa, quando um jogador está em quadra. Voltando à defesa, Kyrie tinha um dos piores índices entre todos os armadores da NBA no Defensive Real Plus Minus do ano passado. O pior era Isaiah Thomas. Os dois penalizavam seus times com uma desvantagem de praticamente 2 pontos sofridos a mais do que a média do restante do elenco. Agora, Kyrie pela primeira vez na carreira registra um resultado positivo neste índice – no mesmo Boston Celtics que não foi capaz, por exemplo, de tirar Thomas da última colocação no ranking passado. Logo, é de se esperar que Irving tenha algum mérito pessoal nesta melhora.

Por tudo isso, hoje é inquestionável: Kyrie tinha um objetivo quando pediu para sair de Cleveland e ele está muito mais próximo de atingi-lo em Boston do que qualquer pessoa imaginava que seria possível.

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